A Balada do Mar Salgado - Hugo Pratt

Corto Maltese surge pela primeira vez nesta novela gráfica de extensa pesquisa histórica e muito criativa e realista na construção das personagens. Uma verdadeira balada, de contornos românticos, em tom emocional, que nos transporta para o mundo dos piratas, das ilhas secretas e das aventuras inesquecíveis.

'A Balada do Mar Salgado' vê aparecer este homem habitualmente vestido de marinheiro, de brinco na orelha esquerda, amarrado a uma jangada no meio do mar, meio nu, onde é encontrado pelo seu rival (igualmente pirata a mando d'o Monge) Rasputine. Este raptara já no seu catamaran dois jovens europeus com o objectivo de chantagem os seus familiares ricos, e dirigia-se para a Escondida, ilha comandada pelo dono dos mares do Pacífico Sul, que chamam de o Monge. As aventuras sucedem-se nesta ilha difícil de encontrar, nestes primeiros tempos de I Guerra Mundial: há canibais, navios de guerra alemães, tubarões, pirataria, amizades inesperadas e uma rapariga determinada, Pandora, que vai aproximar-se um pouco mais do coração de Corto Maltese.

Hugo Pratt capta na perfeição a cultura e a tradição dos povos do Pacífico - por exemplo na maravilhosa cena em que o tubarão mostra o caminho certo ao navegador Maori - e ao mesmo tempo inova na forma como relata as relações humanas entre povos tão diferentes - tanto com os autóctones como com os alemães. Para além desta capacidade de escrita e de contar histórias aventurescas, é também no desenho e na forma como contrói personagens tão memoráveis que Pratt se destaca como um génio da banda desenhada.
Há nesta balada muito mais que a história simples que nela parece viver. O poder do Monge, a insubordinação de Rasputine, a determinação de Cain, a sensatez de Pandora e a aura de mistério em torno de Corto Maltese tornam esta novela gráfica a preto e branco, de traço coerente e realista, uma verdadeira história de personagens, mais do que da intriga pirata que se desenrola. 

A bondade de Corto Maltese, que apesar da sua veia de pirata quer é a paz no mundo e poder viver a sua vida ao sabor do vento, contrasta radicalmente com o seu alter-ego Rasputine, que procura a todo o custo assumir o domínio da Escondida e do seu tesouro pirata. O estigma da pirataria, sobretudo para os dois jovens de famílias educadas e endinheiradas, faz com que inicialmente se virem também contra Corto Maltese, e é muito interessante assistir à viragem na forma como passam a encará-lo ao entender as suas boas intenções - até porque o destino de um homem é ele que o desenha, como fez  Corto.

Corto Maltese parte, como sempre, para novas aventuras oceano fora, por onde o mar salgado o levar, e nós ficamos aqui à espera de novas leituras. Esta é de facto uma leitura marginal, de um livro que demorei mais tempo a embrulhar para dar ao meu namorado no Natal porque quis lê-lo primeiro. E li-o de uma assentada, tentando absorver intensamente as imagens e as personagens desta obra de arte que certamente gostarei de reler muitas e muitas vezes e que me acompanhará para sempre.

Comentários