O Leopardo - G. Tomasi di Lampedusa

"Dividido entre o orgulho e o intelectualismo maternos e a sensualidade e leviandade paternas, o pobre príncipe Fabrizio vivia num descontentamento permanente sob os olhares severos de Júpiter, contemplando a ruína da sua raça e do seu património sem dar mostrar de qualquer actividade e, mais ainda, sem o menor desejo de lhe pôr cobro."
'O Leopardo', G. Tomasi di Lampedusa

'O Leopardo' é a história de uma família e de uma classe em decadência, por muito que tenha o poderoso leopardo como símbolo. Leva-nos numa viagem à segunda metade do século XIX, abalando-nos com cada relato da sociedade, cada momento apaixonado, cada espelho da fragilidade humana e da efemeridade das coisas.

Em 1860, durante o Risorgimento italiano que marcou a unificação do país, o príncipe Fabrizio decide refugiar-se com a família na sua casa de férias de Donnafugata até a luta política terminar. À sua volta, no seio da sua família, vai acontecendo a revolução: o sobrinho Tancredi adere às tropas revolucionárias, Don Calogero é o novo líder político local, e a sua filha, a bela Angelica, é muito diferente de mulheres como a sua própria esposa. À medida que vai aceitando estas mudanças para que tudo possa ficar na mesma, Fabrizio apercebe-se da volatilidade das paixões e da impossibilidade de voltar aos tempos de domínio da aristocracia.

Na família Salina a religião é das coisas mais importantes do dia. O padre Pirrone acompanha-os dia e noite, vive as suas angústias e as suas felicidades, é o principal conselheiro e ao mesmo tempo aquele que tudo sabe sobre os segredos de cada um dos elementos da família. Mas a leviandade do príncipe em tudo contrasta com a beatitude da princesa, e em tudo o que é religioso é também pouco correcto à maneira da sua classe.

Para Tancredi passa toda esta sensualidade e leviandade, o que faz Concetta, filha de Fabrizio, apaixonar-se pelo primo. Até nesta união provável entra a luta de classes e a revolução para destruir os sonhos da classe perfeita: Angelica é filha do povo, é normal e nada aristocrata. É por ela que Tancredi se perde de amores, e nem Fabrizio resiste aos encantos da filha do homem que representa também a ascensão da burguesia na liderança de Donnafugata.

Há em tudo isto um sentimento de desilusão, de impotência e de decadência da classe aristocrática, muito bem personificados pelo próprio Fabrizio. Por muito que seja permissivo, que ajude a concretizar a revolução e aceite o casamento do sobrinho com uma plebeia para mostrar a sua receptividade à nova ordem, há nele uma tristeza imensa, uma sensação de fim e de perda de algo que não é possível recuperar. É um sentimento de orgulho, de classe, de respeito pela sua posição, que se perde irremediavelmente.

E ao mesmo tempo que damos conta desta mudança ao longo de toda a obra de Lampedusa, a sua escrita subtil vai-nos oferecendo momentos muito bem humorados, recheados de histórias de família, de conflitos de personalidades, de momentos muito característicos de cada personagem, que nos levam quase sem nos apercebermos para este desfecho histórico de derrota. O baile de apresentação de Angelica à sociedade é também uma conciliação de interesses e a consolidação da união das duas classes - e só Fabrizio parece aperceber-se da dimensão do evento.

Tancredi não sabe o que quer da vida e muda constantemente de lado; é jovem, tem uma vida inteira pela frente, e tanto lhe faz quem governa desde que possa continuar a sentir tudo como seu, como presente. Já Fabrizio sente, agora, que o seu tempo já passou; que nada pode fazer para reverter a revolução e que o mundo que conhecia, em que foi criado e que ajudou a manter para os seus filhos, não existe mais.

Há histórias romanceadas e romances verdadeiramente históricos, que mais do que criarem ficção em torno da história a mostram através de uma história ficcionada. E o que Lampedusa faz neste romance é exactamente isso. 'O Leopardo' é uma obra clássica e inesquecível que deu um filme igualmente imperdível, com uma escrita intensa personagens que dificilmente nos sairão da memória. E ainda bem!

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